Casa de Poeta
ou As Violetas são Azuis
Ontem estive na casa da Fátima Cerqueira, amiga e poeta mineira que me convidou para almoçar e passar uma tarde com ela: e como é sua nova casa, fui também sua primeira visita, já que sua irmã já estava com ela no dia da mudança, então passou a ser café com leite, não entrando nessa brincadeira.
Já tinha me avisado que haveria uns degraus a mais na nova escada se comparando-a com a da antiga morada; já tinha também me dito que morava a mais uns vinte minutos a pé, o que achei ótimo pois preciso mesmo caminhar para ver se controlo minha taxa de glicose; também eu já sabia que era um apartamento mais espaçoso, num lugar mais silencioso e que ela havia comprado cortinas novas para a janela da sala... e eu já sabia disso tudo de tanto que ela me falara de tudo nestes últimos dias.
No abrir da porta, pelo sorriso largo e delicioso de sua filha Clarice, percebi , que estava mesmo numa casa nova, onde as duas, mãe e filha, desenharam pelas paredes brancas, com fotos, quadros e coisas que se ganha ou que se compra pela vida a fora e que não se pode mais abandonar com o risco de se perder a identidade: o relógio antigo lembra que o pai (e avô da Clarice, claro) está presente ainda com suas marcações do tempo sempre nos mesmo dias, nas mesmas horas, nos mesmos tons e sons. Os livros e CDs dominam o ambiente de toda a casa... até os de Química do Gilson pude reparar e achei legal demais esta mescla compartilhada.
Fui apresentado aos cômodos da casa e vendo neles as histórias que se remonta a cada mudança como o cenário de uma peça itinerante que vai se adaptando ao local onde se apresenta, aquilo que é excencial para se conduzir a vida que vivemos em nosso sagrado palco. No criado mudo do quarto, a Santa Clara observa tudo de dentro do seu oratório enfeitado por uma jarra com umas poucas flores do campo amarelas, quase alaranjadas de tão vivas.
Enquanto isso, a Fátima estava no banheiro denunciando que cuidava de seus cabelos pelo barulho agitado do secador nas suas variações de velocidades. Ainda na sala, vi as tais violetas azuis dispostas de forma cadenciada sobre um móvel onde também estavam umas licoreiras com seus copinhos, uns outros recipientes aparentemente de cristal, tudo bem arrumadinho sobre uma passarela branca, combinando com o rendado da cortina. Num outro móvel, outra jarra, desta vez maior e com mais flores formando um belo buquê das mesmas flores lá da santinha do quarto. Finalmente ela saiu do banheiro com cara de Cinderela de tão arrumadinha (rsrs) e foi logo contando que tinha colhido as flores de um terreno de beira de calçada que vislumbrara da nova paisagem da janela de seu quarto. Disse que eram flores simples, carrapichos que brotavam naquelas tonalidades vivas, sempre-vivas para lhe enfeitar os dias e, naquela ocasião, especialmente para esperar sua primeira visita. Mostrou a casa novamente e eu fazendo cara de quem não havia reparado nada ainda, e inclusive me levou ao terraço onde pendurava as roupas para secar e que magicamente se secavam rapidinho por conta do sol e vento que se mostravam tão presentes nesse novo lugar.
Anunciou que o almoço já estava pronto, só mesmo aguardando minha chegada! Feito menina que brinca de casinha, me mostrou as prateleirinhas com xícaras e enfeites de cozinha, a nova disposição da mesa agora com mais espaço para compartilhar e até a toalha vermelha coberta por um plástico transparente, explicando que para evitar as contínuas derramadas de café. O almoço estava divino, com suas saladas simples e com toque exóticos e os papos constantes também: falamos de teatro, poesia, vida dos outros, casos de filhos e, claro, muito assunto de mudança: de casa e de vida! No computador me mostrou novos poemas, umas fotos, umas caras novas (e outras nem tanto) do Orkut, uns comentários e muita risada e muita fala para assuntos que rolaram pela tarde e provavelmente varariam a noite se a tivéssemos à disposição.
Pois é, casa de poeta tem tudo que as outras casas tem, inclusive enfeite de boas-vindas na porta de entrada, mas com um diferencial: a mão que escreve os poemas é a mesma que enfeita, que cozinha delícias, que ajeita o cabelo e passa baton vermelho, que tece as tramas para um delicioso dia que ocupa toda uma tarde de prazer e fantasia/realidade. E só na casa de poeta ficam lá, cúmplices e vigilantes, as violetas azuis participando da roda como se fossem também elas poemas de nossas histórias... certamente voltarei mais vezes nessa casa de poeta de versos tão presentes no seu cotidiano.
6 comentários:
Que maravilhoso é ter alma de poeta, ter a sensibilidade de ver a grandeza das coisas nos pequenos detalhes, assim com certeza a vida fica mais leve,mais bela.
Beijão pra voce...Maria Lucia
Pois é, é a casa da minha "tia Pata". Lá, as paredes conspiram poesias.
Lindo post
Adorei! Obrigada, Marcelino. Tocou fundo...
Marcelino vc nem me conhece, sou sobrinha emprestada dela. Quando eu li isso que escreveu, veio a imagem delas na minha cabeça (principalmente a Tia saindo do banheiro de baton ...hahahaha, e o sorrisão da Cla). Adorei tudo que vc disse.Ela é tudo de bom !!!bjos
Marcelino,
Realmente a casa nova tá com um jeitão muito meu. É claro que com as coisas simples que fui adquirindo ao longo da vida, mas tudo tem história e uma boa justificativa para estar nos devidos lugares. Seu texto emocionou-me muito no primeiro momento e todas às vezes que eu parar em seu blog, lerei e ficarei agradecida por ter um amigo como você. Fico envaidecida com o azul das minhas violetas, são elas que entendem como sou. Não preciso exibir o quanto me sinto feliz em minha casa. As pessoas que me vistam se sentem bem aqui. Sou feliz por recebê-las. A casa não é só da poeta, é de todos que aqui escalam as escadas e trazem bom papo. Não tenho a ilusão de ser a melhor, mesmo porque sou a pessoa mais desligada do mundo. Rusgas não me fazem bem, acho que a ninguém faz bem. Nesta casa você veio, trouxe alegria e deixou saudades, volte sempre para um café.
Ahhh Falei com minhas sobrinhas para visitarem seu blog e lerem as coisas bonitas que escreveu. Elas gostaram e se identificaram.
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