quinta-feira, 22 de abril de 2010

 E por falar em teatro...


Texto:

"... Lembro-me perfeitamente dela na minha infância engomando meus vestidinhos ou me fazendo rabos de cavalos tão apertados que não me deixavam franzir a testa - era como ela me preparava para as missas das nove de todo domingo. Também me ajudou nas lições de casa, me proibiu namoros, me patrocinou pequenas viagens e alguns também pequenos sonhos. Fez minha festa de 15 anos e também a do meu casamento. Foi  meu ombro amigo na minha separação e acolheu meu filho como se fosse um dos seus! Aprendi com ela o ponto da calda do doce de figo e a tricotar os dias que não passavam nunca na minha solidão! Mamãe faz 100 anos mas nem tenho conta de quantos anos são! ..."

(fala da personagem Ubaldina, filha de Dona Miquelina, gêmea com a Modestina,  na peça "Com efeito, ora veja! Vovó faz 100 anos!", texto de minha autoria e interpretada por Graça Salim e que se apresentou no ano de 2009, em Setembro em Miracema e Outubro em Palma-MG )

domingo, 18 de abril de 2010

Os Olhos de Alice

Os Olhos de Alice
- a menina dos olhos de jabuticaba

                          Lembro-me ainda de como foi difícil iniciar um papo na net com a Alice, professora lá de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, no átrio direito do coração do Brasil, que me chamou atenção primeiro por toda a história daquela região na época da ditadura e também pela presença e D. Pedro Casaldáliga como bispo naquela região, bandeira na luta pelas causas sociais, na preferência pelos mais desfavorecidos, perseguidos, discriminados! Por mais que eu puxasse assunto, ela era sempre reticente, mostrando nitidamente o desinteresse pelos papos (e deviam ser mesmo papos teia de aranha, desses com conversas manjadas de início de conhecimento por aqui). Até que um dia dei um xeque-mate (rsrsrs), pedindo até desculpas por estar importunando-a de forma insistente com assuntos que talvez não lhe interessassem mesmo. Não foi ríspida em sua resposta e abrimos um caminho para nos conhecermos mais e falar de poesia, livros, filmes, pluralidade de nosso país, vários Brasis contidos nesse continente. Foi amadurecendo o papo, se entranhando histórias e casos, até que, assim sem nos dar conta, quando vimos, já estávamos lá, os dois, diariamente procurando novidades para contar um ao outro. 

                                  Fiz esse preâmbulo todo só para falar aqui do que hoje me motivou essa postagem: Os Olhos de Alice! Engraçado que logo me chamaram atenção aqueles olhos arregalados, como que querendo ver de cara tudo que a gente tem para mostrar, mas ao mesmo tempo, se abrindo também para quem os observa! Aqui no interior temos mania de falar das pessoas com esses olhos assim como sendo olhos de jabuticaba! Mas como eu poderia dizer de jabuticaba esses olhos não pretos, a maior característica desses mesmos olhos a que me refiro aqui? ... mas eu continuava os achando assim: olhos de jabuticaba! Até que um dia, do nada, soltei essa frase tosca: acho lindos seus olhos de jabuticabas! rsrsrs Ela então, acho que meio assustada com o papo me perguntou: Mas de jabuticabas? (acho que em todo lugar esse termo tem o mesmo significado!) Mas eu não podia me dar por vencido: - Sim, olhos de jabuticabas verdes! kkkkkkkk E como eu já a chamava de "karajá", pela presença desses indígenas naquela região, ficou então sendo a karajá dos olhos de jabuticabas verdes! E ela me passou a chamar de cara pálida e fomos construindo uma relação de cumplicidade, de trocas de informações, falando dos sonhos, das distâncias, das praias do mar, e das do rio também... e até hoje é muito bom falar com ela, rir com ela e prometer sempre que um dia passo por lá!
                                  E ela até já sabe que vou sim, um dia eu vou! E ficou lá no meu orkut, no meu álbum em eterna construção, onde tenho meus amigos, uma foto da Alice com seus realçados olhos tão verdes, por onde passam as águas do Araguaia, enxurradas transbordantes que me inundam de saudades de um lugar que nem ainda vi. E neste olhar assim tão distante e penetrante, vejo também o jeito dessa gente simples e sábia em seus modos contidos e na singeleza de suas convicções. É tão frágil e tão forte que confundo às vezes o que é Alice e o que é karajá: eu, um cara pálida bobo daqui de longe, construo muros e estradas que ora me protegem dela, ora me levam até lá! E esses olhos tão acesos que ultimamente chamaram atenção de uns amigos que colocaram uns comentários lá, e que se apertam nos risos frouxos que vejo na Web cam, já os vi tão pertos, nas belas paisagens de um Rio de Janeiro que lhe apresentei num reveillon passado, e que passou tão depressa que nem me recordo mais qual foi! rsrsrs
                                 Um dia verei nesses olhos o reflexo das águas de lá, e da poeira que imagino por lá, e das chuvas fortes que ela me conta de lá, e dos seus meninos obedientes que adoram bife com uma verdura qualquer, e  das frutas doces de seu pomar, e da sua bicicletinha cortando as ruas da cidade, e da sua mãe varrendo os ciscos do quintal, da satisfação de conviver com o Pedro e de mim mesmo, bobo e jacu na alegria de passar por lá... por lá onde verei nos Olhos de Alice, as tais jabuticabas verdes!


quinta-feira, 15 de abril de 2010

Casa de Poeta




Casa de Poeta
ou As Violetas são Azuis


                                     Ontem estive na casa da Fátima Cerqueira, amiga e poeta mineira que me convidou para almoçar e passar uma tarde com ela: e como é sua nova casa, fui também sua primeira visita, já que sua irmã já estava com ela no dia da mudança, então passou a ser café com leite, não entrando nessa brincadeira.
                                    Já tinha me avisado que haveria uns degraus a mais na nova escada se comparando-a com a da antiga morada; já tinha também me dito que morava a mais uns vinte minutos a pé, o que achei ótimo pois preciso mesmo caminhar para ver se controlo minha taxa de glicose; também eu já sabia que era um apartamento mais espaçoso, num lugar mais silencioso e que ela havia comprado cortinas novas para a janela da sala... e eu já sabia disso tudo de tanto que ela me falara de tudo nestes últimos dias.
                                    No abrir da porta, pelo sorriso largo e delicioso de sua filha Clarice,  percebi , que estava mesmo numa casa nova, onde as duas, mãe e filha, desenharam pelas paredes brancas, com fotos, quadros e coisas que se ganha ou que se compra pela vida a fora e que não se pode mais abandonar com o risco de se perder a identidade: o relógio antigo lembra que o pai (e avô da Clarice, claro) está presente ainda com suas marcações do tempo sempre nos mesmo dias, nas mesmas horas, nos mesmos tons e sons. Os livros e CDs dominam o ambiente de toda a casa... até os de Química do Gilson pude reparar e achei legal demais esta mescla compartilhada. 
                                   Fui apresentado aos cômodos da casa e vendo neles as histórias que se remonta a cada mudança como o cenário de uma peça itinerante que vai se adaptando ao local onde se apresenta, aquilo que é excencial para se conduzir a vida que vivemos em nosso sagrado palco. No criado mudo do quarto, a Santa Clara observa tudo de dentro do seu oratório enfeitado por uma jarra com umas poucas flores do campo amarelas, quase alaranjadas de tão vivas.  
                                   Enquanto isso, a Fátima estava no banheiro denunciando que cuidava de seus cabelos pelo barulho agitado do secador nas suas variações de velocidades. Ainda na sala, vi as tais violetas azuis dispostas de forma cadenciada sobre um móvel onde também estavam umas licoreiras com seus copinhos, uns outros recipientes aparentemente de cristal, tudo bem arrumadinho sobre uma passarela branca, combinando com o rendado da cortina. Num outro móvel, outra jarra, desta vez maior e com mais flores formando um belo buquê das mesmas flores lá da santinha do quarto. Finalmente ela saiu do banheiro com cara de Cinderela de tão arrumadinha (rsrs) e foi logo contando que tinha colhido as flores de um terreno de beira de calçada que vislumbrara da nova paisagem da janela de seu quarto. Disse que eram flores simples, carrapichos que brotavam naquelas tonalidades vivas, sempre-vivas para lhe enfeitar os dias e, naquela ocasião, especialmente para esperar sua primeira visita. Mostrou a casa novamente e eu fazendo cara de quem não havia reparado nada ainda, e inclusive me levou ao terraço onde pendurava as roupas para secar e que magicamente se secavam rapidinho por conta do sol e vento que se mostravam tão presentes nesse novo lugar.
                                        Anunciou que o almoço já estava pronto, só mesmo aguardando minha chegada! Feito menina que brinca de casinha, me mostrou as prateleirinhas com xícaras e enfeites de cozinha, a nova disposição da mesa agora com mais espaço para compartilhar e até a toalha vermelha coberta por um plástico transparente, explicando que para evitar as contínuas derramadas de café.  O almoço estava divino, com suas saladas simples e com toque exóticos e os papos constantes também:  falamos de teatro, poesia, vida dos outros, casos de filhos e, claro, muito assunto de mudança: de casa e de vida! No computador me mostrou novos poemas, umas fotos, umas caras novas (e outras nem tanto) do Orkut, uns comentários e muita risada e muita fala para assuntos que rolaram pela tarde e provavelmente varariam a noite se a tivéssemos à disposição.
                                        Pois é, casa de poeta tem tudo que as outras casas tem, inclusive enfeite de boas-vindas na porta de entrada, mas com um diferencial: a mão que escreve os poemas é a mesma que enfeita, que cozinha delícias, que ajeita o cabelo e passa baton vermelho, que tece as tramas para um delicioso dia que ocupa toda uma tarde de prazer e fantasia/realidade. E só na casa de poeta ficam lá, cúmplices e vigilantes, as violetas azuis participando da roda como se fossem  também elas poemas de nossas histórias... certamente voltarei mais vezes nessa casa de poeta de versos tão presentes no seu cotidiano.    

sexta-feira, 2 de abril de 2010


texto:

"- Mãezinha do Céu, proteja minha mãe! Seus calos nas mãos narram a sua história de trabalho, mas também os inúmeros terços ansiosamente pedindo por nossas vidas. Sempre fomos muito ligadas! Tiramos muitas ladainhas sozinhas, tudo decoradinho, sem nem precisar abrir o livro de orações. E rezamos terços em velórios e acompanhando procissões... até já cantei em casamentos e ela foi Verônica em Sexta-feira da Paixão. Engraçado, olho para ela e só a vejo Santa! Nem sei se sofri represálias, se já levei cascudos ou se fiquei de castigo atrás da porta! E porque é aniversário, só posso dizer: Felicidades, minha mãe! Que Deus a proteja sempre!"

(fala da personagem Tia Nicolina, na peça "Com efeito, ora veja! Vovó faz 100 anos!" onde Marly Lopes vive uma beata, a filha mais velha de Dona Miquelina. Peça apresentada em setembro de 2009 em Miracema e outubro do mesmo ano em Palma-MG)