domingo, 28 de fevereiro de 2010

E por falar em Teatro...


texto:

"... e o tempo que passei cuidando de meu pai, não conta? Não contam os horários dos remédios, os banhos de leito, a comidinha na boca, eles sempre arrumadinhos e perfumados a qualquer hora, nada disso conta? E quantas vezes não fui à casa dela acudir os pais  que ela abandonou entregues à própria sorte? E os livros que li? Foram centenas de livros, uma vida inteira  que me tornara a mais culta que a maioria das pessoas daqui, não conta? Mas também, pra que ler tanto? Precisava disso para trocar fraldas geriátricas todas as noites, pra conversar nas calçadas nas noites de verão, falando nem sei de quê? Nunca de livros, nunca de literatura! Era perguntar sobre a saúde de um,  comentar a gravidez de uma adolescente do bairro, saber se o padre estava almoçando direito (quem estava cuidando disso?)... e eu que sonhara com marido, filhos e casa arrumada, o que é que eu fiz? Até os móveis que uso, a cama em que durmo, fazem parte da casa de papai: são os móveis que eles um dia sonharam para a casa que eles fizeram, do jeito deles! Engraçado, nasci aqui! Me criei nos limites dessa casa, nas divisas que meus pais me deram. Nunca me faltou comida, roupa lavada, bolo de aniversário, presentes de Natal! Nem sei mais se amei meus pais - nunca questionei os horários de sair e de voltar, os cardápios das refeições, nem mesmo a cor das paredes da casa e nem mesmo a do meu quarto. Não contei para mamãe quando fiquei moça nem do meu primeiro beijo! Meu pai nunca me pediu um Boletim Escolar. Acho às vezes que cuidavam de mim para me ensinar a cuidar deles mais tarde - e nem percebi a transição. Aos poucos, passei a pagar a luz, a água, o telefone e as despesas corriqueiras que iam surgindo até que uns meses depois fui perceber que até o Supermercado agora era responsabilidade minha! Não acho nem que eles perceberam isso também. A medida que mais medicamentos eram acrescentados a seu coquetel diário, mais difícil para eles era se sustentar ... e a mim e ao meu irmão. E eu via o prazer no meu pai em comprar seu cigarrinho com o dinheirinho miúdo que ele já levava contadinho no bolso direito da calça! E a carinha de felicidade que mamãe chegava com o papel da sua fezinha no bicho, dobradinha, amassada entre os seus dedos trêmulos?..."


(trecho da peça "Balanço Final", de minha autoria, onde Leny Tostes interpreta a professora solteirona aposentada, Gracinha em dez 2007)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

DESCASAMENTO

  marcelino tostes padilha neto

Desta casa
Saio de leve
De uma passagem breve
De um sentimento febre.
Levo no peito
A mancha escarlate
Do coração que sangra.
Levo no rosto
O arranhão profundo
Da lágrima que corre.
Levo nas costas
A vida cansada
Das viagens vãs
Levo nos poros
O suor das lutas,
A seiva da derrota.
Levo na mão
A chave da porta
Prá entregar ao João.


Nesta casa
Não deixo rastros,
Bandeiras em mastros,
Comidas nos pratos.
Levo as crianças
Que brincam ou que choram
Por não ter opção.
Levo os tesões, os tesouros,
As tensões da guerra dos sexos.
Levo umas fotos
De rostos marotos
Que já não são tão meus
Levo uma mala
Com um pouco de roupa
Com um muito de dor.
Levo a cabeça
Com dor de cabeça
Com o quebra-cabeça
Levo a dor, a alegria, o amor.


                                                  Desta casa
                                                  Levo no peito,
                                                                       no rosto,
                                                                                   nos poros,
                                                                                                  nas costas,
                                                                                                                  nas mãos,
 
As crianças,
Os tesões,
Umas fotos,
Uma mala,
Muita dor.

                                                               (setembro de 1984)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

 

Segunda de Primeira: É Carnaval!

                                           Acordei hoje com o barulho de um bloco de mascarados com suas fantasias em listras de cetim multicoloridas que se misturavam em um balé descombinado e gritos e apitos que chamavam a atenção de todos e nos lembravam cedinho que mesmo sendo segunda, ainda hoje é carnaval! Nem mesmo a programação televisiva totalmente "esoladesambanizada" nos lembra com tanta alegria os dias do Reinado de Momo que estamos vivendo como a alegria desse grupo que desce pela Avenida Carvalho e provavelmente se encontrará com tantos outros que se concentram lá pelos lados da Praça Dona Ermelinda. 
                                          Fico observando os latidos assanhados do cachorro que corre para o portão num ar de "vou ver o que está acontecendo na rua" e também seu medo por conta das falsas investidas do alegre grupo fingindo, com pedaços de paus, atacar o arisco animalzinho. Pobre Ravi (acho que já apresentei o cãozinho algumas vezes em crônicas aqui) que nunca se vestiu de mascarado e saiu pelas calçadas quentes desta cidade brincando escondido atrás de  máscaras alegres ou monstruosas numa divertida provocação de "adivinha quem está brincando contigo?"! 
                                          Existe ainda proconceito contra esses mascarados e claro que existem também mascarados que se aproveitam de suas fantasias para atitudes covardes e violentas: mas geralmente são as pessoas que mesmo sem as máscaras também optam por atitudes assim no seu dia a dia; mas não podemos deixar que as más impressões suplantem a magia dos alegres foliões que se mascaram e vão no bate-bola tão tradicional nos carnavais de Miracema. Comparo esta tradição aos Bois Pintadinhos e Mineiro-paus que encantam os visitantes e nos remetem aos carnavais de nossos tempos de criança e que se tornaram eficientes promotores de nosso folclore na simplicidade e na alegria de nossa gente.  
                                         Acho que por mais críticas que sempre pontuam o carnaval de nossa cidade, a festa como manifestação popular é sempre animada e sempre torna a Rua Direita o ponto de encontro daqueles que ficam e que gostam de carnaval. Já houve sim um tempo de mais Escolas de Samba e com fantasias mais ricas e organização mais elaborada, mas festa popular é assim mesmo: e não adianta que quem comanda é o povo. 
                                          Os bois e as mulinhas serão sempre animados de acordo com o espírito de quem os conduz e os repiniques que conduzem os blocos que passam sempre animados pela "Avenida" fervilham nosso sangue e quando vemos já estamos lá, embolados na multidão suada e ritmada que sobe e desce atrás de uma alegria contida durante o ano e que se extravasa na folia curtida com seu povo de forma tão democrática. Pois é, é no carnaval que as pessoas tão simples durante o ano se tornam os príncipes e rainhas da festa, bailando em torno de seus estandartes que na verdade são sim bandeiras de ideologias por mais alegria, mais cantoria, mais beijo na boca e samba no pé. 
                                        Já passei muitas e muitas vezes por essa rua com esta alegria toda e ainda hoje, mesmo que não participe de forma tão ativa, fico aguardando sempre a chegada do Carnaval para sentir ainda esse contágio de festa, essa vontade de música, esta alegria fácil que deveria fazer sempre de nós eternos foliões mesmo quando não existam as máscaras!
                                       E amanhã tem mais... pra tudo se acabar na quarta-feira!        

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010



                         Meu Estilo: Estilo? kkkkkkkkkkk     
     
                                         Tem dias que fico de bobeira aqui na net vendo umas coisas assim sem pé nem cabeça e me pego rindo, às vezes de mim mesmo, com as coisas que a gente nem acredita que respondeu ou nem mesmo pensou para responder. Lendo meu perfil no orkut, me deparei com o item "Estilo" e fiquei pensando no que imaginariam as pessoas que não me conhecem sobre isso a meu respeito. Até que fui esperto colocando "casual" para não dar margem a muita imaginação: entendi como um estilo bem simples, sem preocupação com o que "está na moda", sem grandes variações de cores ou modelos no que visto. E então (acho que já perceberam que tenho mania de preparar minha velhice mesmo sem saber se vou ficar velho!rsrsrs) comecei a viajar no meu estilo desde muito tempo atrás.
                                           Lembrei-me então como primeira imagem do meu vestuário, eu de conguinha azul daqueles de biquinho branco do mesmo material da sola, meinhas brancas e short azul desbotado expondo minhas perninhas finas do magricela que fui e a camisa branca engomada com o bordado azul com o nome do Grupo Escolar Dr Ferreira da Luz: na verdade me lembrei muito mais dos colegas de classe, alguns meus amigos até hoje, saudosas professoras como a Ruth Passos (que na época eu odiava), D.Orlanda de Martino e até mesmo minha mãe que lecionou para nossa classe por um curto período, substituindo uma outra professora. No pátio do colégio, onde cantávamos o Hino Nacional e recitávamos várias rezas que nem me lembro quais, sempre repreendidos pela Dona Regina com sua régua caminhando entre as filas na ameaça de sua régua esperta a qualquer movimento estranho que por ventura tentássemos. E meu uniforme combinava sim com meu estilo de menino recém-chegado da roça, tímido e assustado com aquele mundo novo que me apresentava as letras e promeiras palavras que comporiam um dia meu mundo de leitura e de escrita como essa que agora pratico aqui. 
                                             Lembro ainda das missas de domingo em que colocávamos uma roupa melhor, tipo calça de Nycron com vinco e camisa "Volta ao mundo" e não era como nos dias atuais onde vemos as crianças e (principalmente) os adolescentes na cruel dúvida do que vestir para sair de tantas opções que na verdade os deixam tão iguais que tanto faz essa ou aquela. Nossas opções eram reduzidas a uma ou duas calças e também umas poucas camisas. Engraxávamos nós mesmos os nossos sapatos nas tardes de sábado, quando às vezes aproveitávamos para engraxar também as botas do papai ir à roça (botas cheias de bosta que tinham que ser praticamente lavadas antes de serem engraxadas), e ficávamos lustrando a cera amolecida pelo sol e íamos arrumando os pares emparelhados no canto do muro do quintal como se fossem parte do mostruário de uma sapataria. E esse estilo de vestir muitas vezes nem era exibido para o público presente à missa uma vez que eu, Coroinha que era, usava mesmo era uma vestimenta vermelha, estilo  batina de padre mesmo, com uma outra vestimenta branca trabalhada em renda por cima que não me deixavam nem um palmo à mostra da roupa que eu reservava para os meus domingos. Depois houve o tempo de Cruzada, uma Associação Religiosa onde participavam crianças e adolescentes com um uniforme impecavelmente branco e com uma fita amarela atravessada no peito, bordada com uma cruz azul: todo terceiro domingo do mês era dia de missa da Cruzada e tínhamos que estar lá, preenchendo os bancos da frente da igreja com nossos cabelos com brilhantina impecavelmente penteados combinando com nossa roupa e nosso estilo santificado na busca do Paraiso prometido; lembro-me até que me ajoelhava logo após a comunhão diante da imagem de São Tarcísio, um santo martirizado ainda jovem e que expunha suas dores de forma tão dramaticamente diante de nós meninos que nos davam a sensação de uma felicidade tão dolorida e custosa que nos remetia ao medo da perda da salvação.  
                                          Depois veio a fase das blusas cacharrel , os sapatos cavalo de aço, os quichutes ou o Vulcabras para ir ao Ginásio (já estudava no Colégio Nossa Senhora das Graças ou no Deodato Linhares), a primeira calça Lee, o jeans depois popularizado, as camisas de algodão, as calças boca sino com cós com tantos botões fossem possíveis colocar, as primeiras Herings... era um estilo já influenciado totalmente pelas novelas e pela turma da Jovem Guarda e os primeiros cantores de Rock e que imitávamos influenciados pela mídia.
                                          Já no Segundo Grau, estudando em Juiz de Fora, no Colégio Magister, uma Escola de vanguarda  onde não se exigia uniforme e, como os alunos eram  de classe média ou alta (lógico que com exceções como eu) percebi então que havia esse estilo imposto pelas grifes badaladas que uniformizavam a geração dos meados dos anos 70, num processo americanizado e alienado. Mas como o Colégio era contestador e formador de opinião contra a ditadura reinante, víamos também os primeiros porra loucas com camisas com frases de protesto e jargões escritos em inglês que eu nem imaginava o que era: eu, vindo do interior, de uma cidade e uma Escola na época bastante influenciada por um catolicismo tradicionalista, me sentia um peixe fora d´água mas procurando me adaptar ao meu estilo próprio da descoberta, da abertura para o mundo, com minhas camisas discretas da  Master ou da Malharia Santa Bárbara que eram de tão boa qualidade que durante uns bons anos eu as usei como se na moda eu e elas estivéssemos.                   
                                        Depois, na época da faculdade, era só mesmo roupa branca... uniforme exigido desde o primeiro ao último dia do curso tanto para as aulas práticas como as teóricas; dia desses estava até me lembrando que minha mãe providenciou meu uniforme com 3 calças (feitas pelo Chiquinho, claro) e 5 jalecos exatamente iguais, do mesmo pano, tamanho e  feitio. Então fiquei os 4 anos da faculdade com minhas roupas exatamente as mesmas, só modificando um pouco o assentamento no corpo uma vez que eu já engordava uns quilos a cada ano e as calças no final estavam apertadíssimas na cintura e os jalecos morrendo de rir quanto eu me sentava e a barriga estufava até quase arrebentar os botões. Então meu "estilo faculdade" só se modificou mesmo das roupas larguinhas do primeiro ano às apertadíssimas já do final do curso. 
                                       Depois então veio a mistureba total: calças de panamá, tencel, linho e, claro os sempre jeans... camisas de manga comprida dobradas até quase o cotovelo, e camisas de linho, e camisas polo (já fui metido, usei Lacoste e tudo! rsrs), blusas de malha e de algodão,  jaquetas de couro e jaquetas jeans, tecidos listrados e quadriculados, estampados ou aveludados, mauricinho ou largadão de marré... estilos conforme meu humor, meu bolso, minha vontade. 
                                     Volto ao orkut e vejo lá o meu Estilo: casual. E casual pode ser isso tudo mesmo e pode ser nada disso. Só usei terno e gravata em duas ocasiões de minha vida: fomatura e casamento, e  é óbvio que foi o mesmo terno! Gosto mesmo é de uma calça jeans ou bege, das mais claras às mais escuras, já quase marrons, camisas polo ou Hering ainda, daquelas de gola V, um tênis All Star, cabelo curto e barba sempre por fazer. Esse é meu estilo cinquentão, de bem com a vida, entendendo-a bem simples e muito mais interiorizada do que fantasiada: podemos nos vestir de príncipes ou mendigos que sabenos na verdade o que somos, a que viemos e onde queremos e onde podemos ainda chegar: por cima dos meus óculos fico observando o mundo e curtindo meu estilo de vê-lo: e se estou de sunga numa praia ou trabalhando de jaleco ou andando pela rua ou de calça de pijama sem cueca nas folgas de minha casa, vejo que construi meu estilo, um estilo muito mais casual do que eu imaginei quando preenchi meu orkut! Essa net tem cada uma: por causa de uma resposta casual como meu estilo, veja como viajei no tempo, no tempo de todos nós!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

E por falar em Teatro! rsrs

Texto: 

Rasgo-me para expor meus avessos
E neles, minhas dores...

Ficarei gotejando por aí
Até terminar meus dias!

 
                                  (tirado da peça "Com efeito, ora veja! Vovó faz 100 anos", de minha autoria, onde a personagem Dona Modestina (vivida por Neide Gutterres) fala de sua insatisfação de ficar velha)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Li e Recomendo


                     3 X Clarice         

                              Resolvi, inclusive por influência de uma amiga, ler um pouco de Clarice Lispector. Fantástica viagem! Fui então assim de cara, devorando 3 de seus livros: "Aprendendo a viver", com crônicas publicadas de 67 a 73, "Cartas perto do coração", onde lemos troca de correspondência entre ela e Fernando Sabino entre 46 e 69 e ainda "Felicidade Clandestina", um livro de contos de 71.  Em outros tempos já havia lido Clarice mas agora analisando outros aspectos de sua obra que até mesmo a maturidade passa a despertar: até mesmo quando faço releituras, vejo formas que antes não me haviam despertado atenção. Clarice divide com seus leitores toda a sua solidão e angústia que deixam de ser suas, portanto deixam de ser solidão. Passa de assuntos corriqueiros de uma mulher comum (poderemos nós dizer que ela já foi alguém comum?) até um mergulho profundo nas inquietudes e questionamentos do ser humano. Vou procurar outros livros e compartilhar mais dessa ansiedade dessa nossa grande autora.
                                      Procurarei também outros Sabinos   e outros Rubens (Braga, Fonseca ou Alves), e "Ligias"e "Ubaldos", e claro que os "Veríssimos" e os "Machados" que serão sempre relidos com prazer! Temos excelentes autores brasileiros que sempre revisitados nos dão conta da riqueza de nossa literatura. São sempre autores recomendados e altamente respeitados por tudo que escreveram... por isso os recomendarei sempre!