sábado, 9 de maio de 2009

Minha Mãe

MINHA MÃE

Marcelino Tostes Padilha Neto

Num certo Natal,
Com o seu José,
me trouxe menino!
Anjo discreto no seu guardar,
Deu-me raízes
E construiu minhas asas
(pena por pena)
Para o meu voar...
Tomou-me os pontos no ponto certo
Leu redações, nem sei mais quantas!
Rezou os terços do mês de maio,
Armou presépios de meus dezembros...
Choramos juntos,
Mas rimos tão mais
que nos sabemos felizes.
Tricotou blusas de meus invernos,
Refez mil vezes mangas de camisas
(sempre franzidas! rsrs)
Cerziu roupas e feridas
De minha infância,
Dançou comigo nos primeiros bailes!
Cartas na mesa,
Delícias de doces ...
Me deu os abios, caquis e jambos
Que nem sei como são mais.
Escravos de Jó,
Lá vai o ganso!
: sou filho da mãe!
- Cadê o toucinho que tava aqui?


(Espero as canções

que ainda não tocou prá mim!)

terça-feira, 5 de maio de 2009

Epitáfio e a Danusa Leão

Epitáfio e a Danusa Leão

Estava eu ouvindo a música Epitáfio dos Titãs e meditando sobre "certas coisas" que a gente acredita e gosta mas não faz, quando me deparei com esse belo texto da Danusa Leão que resolvi transcrever aqui! Como a música todo mundo já conhece, publico mesmo só o texto! Danada essa Danusa!


SE EU PUDESSE
(DANUSA LEÃO)

Se eu pudesse, mudava minha vida toda; não que ela esteja ruim, mas só para ver que ela pode ser diferente.
Se eu pudesse, me desfaria de muitas coisas: do carro, do apartamento e de quase todas as roupas. Afinal, quem precisa de mais do que dois pares de sapatos, dois jeans, quatro camisetas e dois suéteres, sobretudo quando anda pensando em mudar de vida?
Se eu tivesse muitas jóias enterrava todas elas na areia da praia para que um dia alguém enfiasse a mão brincando, assim para nada, e tivesse a felicidade de encontrar um colar de brilhantes. Afinal, dá para viver sem, não dá?
Das algumas garrafas de champanhe guardadas cuidadosamente, na horizontal, daria para abrir mão, sem nenhuma possibilidade de remorso futuro; champanhe, além de engordar, não passa de espumante metido a alguma coisa, e nem barato dá, de tão fraquinho que é. Dos vinhos, mais fácil ainda. É um tal problema ter vinhos em casa, abrir a garrafa e descobrir que viraram vinagre que se acaba chegando à conclusão de que nada melhor do que o velho e bom uísque, com o qual sempre se pode contar.
E as amizades? Aliás, as amizades, não: as relações. Ah, se tivesse coragem, comprava um novo caderno de telefones e passava só aqueles pouquíssimos nomes que realmente têm algum significado, e que são tão poucos que nem precisaria escrever. Guardaria todos de cor, não na cabeça, mas no coração, e um dia me esqueceria de todos eles.
Se eu pudesse, iria recomeçar a vida em outra cidade, talvez em outro país, para nada, só para começar tudo do zero. Para sofrer bastante, pensando que se não tivesse feito tantas bobagens, se tivesse tido mais juízo e errado menos, poderia ter sido mais feliz e menos culpada de carregar a responsabilidade de ter feito gente sofrer - ou seria essa apenas uma crise de megalomania, mais uma? Porque, pensando bem, alguém tem o poder de fazer o outro sofrer ou a capacidade do sofrimento é um bem pessoal e intransferível? Alguém conseguiria fazer você sofrer, a essa altura do campeonato? Se conseguisse, seria um acontecimento a ser festejado.
Se eu pudesse - e não tivesse tantos compromissos - seria vegetariana, passaria as noites em claro e teria muito amor pelos animais e pelas crianças. Mas como quem tem horror a qualquer bicho e nenhuma paciência com criancinhas, a não ser com as dela, vai ter que atravessar a vida levando essa pesadíssima cruz - afinal, ficou combinado que de certas coisas não se pode não gostar, e se não se gostar não se pode dizer, que vida.
Se pudesse largaria tudo e iria embora para um lugar onde ninguém a conhecesse, onde não teria passado nem futuro: para um lugar esquisito no qual não entenderia a língua do povo nem ninguém entenderia a dela. Seriam todos, assumidamente, estranhos - como somos no edifício onde moramos, no local onde trabalho, dentro de nossa família. Ou você pensa que conhece alguém porque dá beijinhos no elevador?
Se eu pudesse, quando acordasse hoje de madrugada saía descalça só com um casaco em cima da pele e ia molhar os pés na água do mar, sozinha. Depois, iria tomar um café no balcão de um botequim, como fazem os homens.
Se eu pudesse, rasgava os talões de cheques, cortava os cartões de crédito com uma tesoura, fazia uma linda fogueira com os casacos de pele e ia saber como é que vivem os que não têm, nunca tiveram e nunca vão ter nada disso. E aproveitava o embalo para cortar os fios dos telefones, jogar o celular na tela da televisão e o computador pela janela - deve ser lindo, um computador voando.
Se eu pudesse, raspava a cabeça, acendia dois cigarros ao mesmo tempo e tomava uma vodca dupla, sem gelo, num copo de geléia. E pegaria uma gilete para picar em pedacinhos a carteira de identidade, o passaporte e o CPF, sem pensar um só instante nas conseqüências e sem um pingo de medo do futuro. E jogaria na lata de lixo meus lençóis, meus travesseiros de pluma, meu cobertor e engolia minhas pestanas postiças, só para aprender que a vida não é só isso.
Se eu pudesse, esquecia o meu nome, meu passado e minha história e ia ser ninguém. Ninguém.
Se eu pudesse, não, se eu quisesse.
Pois é, tem dias que a gente está assim: mas passa.